VALORIZAÇÃO DA CULTURA AFRICANA

Como conseqüência da gradativa tomada de consciência a respeito dos problemas relacionados com a África e com o negro em geral, o Instituto de Estudos Monteiro Lobato (IEML) engajou-se, há mais de dez anos, num processo de luta em prol da causa do negro. Vale a pena destacar o fato de que todas as iniciativas do IEML procuram se enquadrar numa filosofia pragmática de contribuir, direta ou indiretamente, para o sucesso das lutas reivindicatórias atuais da comunidade negra brasileira.

A partir do final do ano de 1997, o IEML começou a trabalhar a questão da valorização da cultura e da raça negra no Brasil. Uma primeira iniciativa foi a preparação de um projeto que visava a divulgação dos Reinos e Impérios Africanos que antecederam ao processo de escravidão. A preocupação inicial do IEML era, sobretudo, informar a população brasileira, que representa mais de 50% do total do país, sobre a verdadeira origem de seus ancestrais antes do início do tráfico negreiro e do colonialismo.

Em 1999, já em contato extremamente enriquecedor com o professor Kabengele Munanga, da Universidade de São Paulo (SP), o IEML passou a desenvolver um projeto que visava a elaboração de um estudo museológico e, a partir de então, começou a trabalhar intensamente na implantação de um Museu da Cultura Africana e Afro Brasileira, abordando a questão da África e do Negro em geral, com um objetivo mais amplo, portanto, do que o projeto original que era restrito aos Reinos e Impérios Africanos. Este projeto foi submetido e aprovado junto ao Ministério da Cultura, mais especificamente para o Fundo Nacional de Cultura. O convênio foi assinado e os recursos para a preparação do Projeto Museológico foram liberados em 2001.

Em novembro de 1999, o IEML promoveu em Taubaté, com apoio da Prefeitura Municipal e da Universidade de Taubaté, um curso sobre a história da África, ministrado pelo professor Kabengele Munanga.

Ao final de novembro e começo de dezembro de 2002, foi inaugurada a primeira Exposição da História Ilustrada das Culturas Africanas e Afro-brasileira. A equipe do IEML havia desenvolvido um material básico que viria a ser adaptado e confeccionado na forma de uma exposição itinerante em banners que percorreu diversas cidades do Brasil a fim de divulgar o Projeto de Valorização da Raça Negra.

Entre 2002 e 2005, a equipe do IEML também elaborou uma apostila ilustrada, de caráter paradidático, que ainda não foi publicada em forma de livro. O conteúdo da apostila, que é utilizada nos cursos como referencial, procura abranger diferentes aspectos da questão do negro.

Numa primeira parte é abordada as questões africanas. Em primeiro lugar a rica pré-história africana, em seguida o fausto dos seus reinos e impérios; o 3º e 4º capítulos tratam da escravidão e do colonialismo, principais responsáveis pelos problemas atuais do continente. No 5º capítulo abarca-se o processo de descolonização e da independência dos países africanos. O 6º capítulo versa sobre as perspectivas e o futuro do continente. Na segunda parte da apostila o foco volta-se para a problemática do negro no Brasil. No 1º capítulo da segunda parte aborda-se a questão das origens dos escravos que vieram para o Brasil. Em seguida a questão do genocídio do negro brasileiro, com suas diferentes faces: a mortandade nas guerras, na mineração do ouro e nos latifúndios coloniais e post coloniais. No 3º capítulo da segunda parte, se examina as revoltas dos escravos. Nos capítulos seguintes, 4º e 5º, trata-se da contribuição dos escravos para o desenvolvimento econômico e sociocultural do país.

Finalmente, no último capitulo, procura-se abordar a discussão sobre as perspectivas para a superação dos problemas que os negros enfrentam no país, no campo da discriminação social em todos seus aspectos. Vale a pena observar que alguns capítulos mereceram um tratamento mais extenso do que outros, tanto em termos de texto como de ilustrações. São capítulos, como o dos Reinos Africanos, por exemplo, que cobrem temas quase totalmente desconhecidos pelo brasileiro.

A partir de 2003, foram realizadas alguns outros cursos e várias oficinas sobre o tema e a exposição pôde ser amplamente divulgada em diversos municípios. A exposição esteve montada na Câmara Municipal de São Paulo durante a realização de um seminário sobre Herança do Povo Africano, também esteve exibida no Mercado Municipal de Porto Alegre por ocasião do III Fórum Social Mundial e, mais recentemente, em 2009, foi apresentada pela primeira na cidade de Taubaté, no Centro Cultural Municipal, como parte do conjunto de atividades realizadas por ocasião das celebrações do mês da consciência negra.

A equipe do IEML esteve presente no 2º Fórum Social Mundial, que aconteceu no final de janeiro de 2002 em Porto Alegre (RS). A entidade foi responsável pela organização de uma oficina que discutiu as problemáticas que envolvem a Raça Negra no Brasil e possibilitou apresentar o projeto da “História das Culturas Africana e Afro-brasileira” para mais de 200 participantes, contribuindo para uma onda crescente de interesse dos movimentos negros brasileiros pelo trabalho do IEML. O IEML também havia estado presente na primeira edicação do Fórum Social Mundial, bem como em algumas das posteriores, atuando na organização de oficinas e debates sobre os seus projetos.

A partir da ampla divulgação do projeto, fruto do trabalho de mais de uma década dedicada aos estudos e à promoção de iniciativas relacionadas ao tema, o instituto continua recebendo um grande número convites para promover palestras e levar a exposição e os cursos para outros municípios paulistas, como por exemplo Taubaté (2009), Ubatuba (2013), Leme (2013), São José dos Campos (2013), etc.

DESCRIÇÃO DO PROJETO SOBRE CULTURA AFRICANA

O Projeto de Valorização da Cultura Africana e Afro-brasileira é resultante de um processo crescente de indignação e revolta contra as incríveis violências e injustiças cometidas contra a raça negra, desde o início do tráfico negreiro até nossos dias.

Inicialmente, foi o tráfico no Oceano Índico e no mar Vermelho, no qual morreram cerca de 40 milhões de africanos capturados e levados à força para países asiáticos (China, Índia, etc.) e para o Oriente Médio (Arábia Saudita, principalmente). Mais tarde, com a chegada dos portugueses na costa africana, a partir do século XII (*) iniciou-se outro processo escravagista, direcionado inicialmente para a Europa (primeiro para Portugal) e em seguida para as Américas (Sul, Norte, Central e ilhas Caribenhas).

Neste tráfico, que durou cerca de 500 a 600 anos, morreram cerca de 60 milhões de africanos. A maior parte destes escravos era capturada no interior do continente, levada para a costa onde eram "armazenadas" em depósitos junto aos portos, aguardando os navios negreiros, também conhecidos como tumbeiros, nos quais eram embarcados e "transportados " em condições precaríssimas para os outros continentes. Sabe-se que em cada uma destas três operações morriam uma infinidade de negros capturados.

Somente este total, estimado em 100 milhões de africanos mortos no tráfico do Indico e do Atlântico, já significa um holocausto tão ou mais violento, mas sem dúvida infinitamente mais grave, do que o holocausto judio ocorrido na 2ª Guerra Mundial. No holocausto nazista morreram cerca de 6 milhões de judeus em aproximadamente quatro anos. Agravando ainda mais a comparação, constata-se que até hoje sobreviventes do holocausto judeu ainda recebem indenizações de bancos suíços, holandeses, alemães, etc., enquanto que os negros africanos que chegavam vivos à Europa e às Américas, eram escravizados pelo resto de suas vidas.

Colonialismo e Escravidão

Não bastasse este primeiro e horrível holocausto do tráfico negreiro, nossa indignação e revolta aumenta ainda mais quando aprofundamos nossos conhecimentos sobre o colonialismo europeu na África. Nenhum reino africano foi conquistado pacificamente. Os povos africanos viviam em liberdade e seus reinos eram muito ricos e portentosos. O processo escravagista, em primeiro lugar, e o colonialismo, logo em seguida, destruíram tudo isto. A resistência da população africana a estas duas violências resultou também em milhões de mortes, ocorridas seja nas guerras e lutas travadas contra forças colonialistas, seja no próprio processo de escravidão local, que surgia depois das conquistas coloniais.

Somente no Congo Belga, no final do século XIX, o colonialismo gerenciado pelo terrível rei Leopoldo da Bélgica, foi responsável por cerca de 10 milhões de mortes. A coroa britânica necessitou de uma guerra de 100 anos para conquistar o império Ashanti, no atual Benin, na Costa do Ouro, considerado um dos reinos mais ricos da África antes dos europeus. No final desta guerra desigual, inicio do século XX, as forças colonialistas dispunham de metralhadoras, que utilizavam contra o exército ashanti, um dos melhores e mais bem armados da África, mas que possuía no máximo arcabuzes ultrapassados, adquiridos das próprias potências coloniais. Em outras regiões da África, as lutas contra o colonialismo foram também ferozes e desumanas.

Na África do Sul, por exemplo, onde o reino dos zulus derrotou várias vezes expedições britânicas que tentavam dominá-lo. No sudoeste da África, incluindo a atual Nanibia, os alemães cometeram verdadeiros genocídios, exterminando populações inteiras de vilas e povoados. O mesmo fizeram os alemães na África oriental (Tanzania, Kenya, etc.) e nos Camarões. Os franceses e holandeses não ficaram atrás. Foi com extremada violência que a França montou seu império colonial no noroeste africano, desde a Mauritânia até o golfo da Guiné. Também os portugueses foram cruéis desde sua atuação predatória no reino do Kongo (fronteira da atual Republica Democrática do Congo com Angola) até bem mais tarde quando colonizaram a própria Angola, mais Moçambique, Guiné - Bissau, Cabo Verde e Príncipe. Também na Etiópia, Sudão, Somália, bem como em outras regiões africanas, ocorreram lutas sangrentas.

Uma barbaridade total em toda África, responsável pela morte de dezenas de milhões de africanos, durante um período tão logo que, até certo ponto, corresponde ao período do tráfico negreiro, embora a fase mais violenta tenha se concentrado no período conhecido como do colonialismo explícito, que vai desde o pacto de Berlim até a 2ª Guerra Mundial.

Holocaustos brasileiros

A desgraça africana e da raça negra porém não para aí. Além dos holocaustos do tráfico negreiro e do colonialismo, novos holocaustos do negro vem a ocorrer nos países que receberam escravos. No caso brasileiro, por exemplo, um milhão de negros morreu somente na Guerra do Paraguai, onde eles eram colocados nas frentes das batalhas, como verdadeiras buchas de canhão.

Na mineração do ouro, nas Minas Gerais dos primeiros séculos coloniais, estima-se que morreram cerca de 500.000 escravos africanos. E na mão dos feitores dos senhores escravocratas da cana, do café, etc., quantos negros haverão morrido em torturas, tentativas de fugas frustradas ou até mesmo por suicídio? Nossa indignação e revolta continuaram crescendo quando começamos a ver sob um ângulo novo, desenhado não através do ensino oficial ou dos livros escolares que não nos informaram nada a respeito, e sim através de pesquisas e leituras que nos propusemos fazer, sobre a realidade da contribuição que o escravo africano deu para o desenvolvimento do Brasil colonial.

Todos nós brasileiros, brancos ou negros, somos educados aceitando a idéia de que a mão de obra escrava foi importante para nossa lavoura e nossa pecuária. E só. Nada lemos em nossos livros escolares sobre a contribuição dos escravos na mineração e na metalurgia do ouro, do cobre, do ferro e do bronze. E em muitas outras atividades nos campos industrial (tecelagem, fabricação de instrumentos, etc..) e da prestação de serviços.

"Finalmente, é importante sublinhar a importância de um museu desta natureza no processo de aprendizagem da história social e cultural do Brasil. Importância também no processo de formação de cidadãos responsáveis, capazes de conviver com a diversidade que é uma das características fundamentais da cultura e do povo brasileiro. Um museu prolonga e completa a escola por seus recursos didáticos menos livrescos e menos abstratos. Deve ficar claro que não se trata de uma galeria de arte, nem de um cemitério, mas sim de um centro de formação e de reciclagens históricas"

A iniciativa do IEML na luta contra a discriminação social e pela valorização da raça negra

Quando no século IX um primeiro mercador árabe cruzou o Sahara e chegou ao reino de Gana, encontrou no palácio do rei cachorros usando coleiras de ouro! O rei dispunha de um exército de 150.000 homens armados com apetrechos de ferro e de bronze (lanças, escudos, etc.) Isto significa que, mais de 600 anos antes de Cabral chegar ao Brasil, os africanos dominavam a mineração e a metalurgia de todos estes metais. E todo este conhecimento tecnológico, trouxeram para as Américas através dos escravos. Portanto, exportação forçada de cérebros, e não apenas de mão de obra!

E nossa indignação e revolta continua aumentando quando chegamos a África pós-colonial e constatamos que todas as mazelas atuais do continente, suas lutas fratricidas e intestinas, suas epidemias que dizimaram populações inteiras, são conseqüências ou da partilha colonial ocorrida com o Tratado de Berlim, que dividiu a África de acordo exclusivamente com os interesses das potências coloniais, ou da ganância desmesurada das grandes corporações nacionais e multinacionais que até hoje, sob o signo da globalização, seguem explorando suas ex-colônias, da maneira mais desbragada e desumana que se possa imaginar.

Nossa indignação e revolta chega ao ápice quando constatamos que, apesar de entre 60 a 70% da população brasileira ser afro-descendente, nada se faz para informar este enorme contingente populacional sobre a realidade de suas origens, que vêm desde a pré-história e passa pelos reinos e impérios africanos, e também sobre a crueldade da escravidão, do colonialismo e das atuais políticas de intervenção ocidental nos países africanos.

É preciso que os afro descendentes conheçam isto tudo e que possam se orgulhar de seu passado, eivado de riquezas e de lutas aguerridas. E que os brancos também passem a respeitá-los mais e discriminá-los menos.

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